sexta-feira, 26 de junho de 2009
IRANIANO ANALISA A REVOLTA NO IRÃ
Um olhar anarquista sobre os protestos no Irã
A entrevista a seguir, realizada pelo portal anarquista espanhol de notícias A Las Barricadas, com apoio de José Antonio Gutiérrez (colaborador de anarkismo.net), foi realizada com Payman Piedar, militante anarquista e exilado iraniano, que participou de numerosas iniciativas libertárias tanto nos Estados Unidos como no Peru. Além disso, foi o editor da revista anarquista Nakhdar, editada em inglês e em farsi (pode se consultar mais sobre sua trajetória política e sua análise geral sobre a situação iraniana na seguinte entrevista realizada pelos companheiros do NEFAC¹). Na entrevista que se segue, tentamos elucidar, em meio às distorções da mídia ocidental e da censura dos meios de comunicação iranianos, as chaves para compreender o que realmente está se passando nestes dias no Irã. Ainda que não estejamos ante uma sublevação de caráter revolucionário, no calor da agitação social sempre crescem as probabilidades de subversão popular.
A LAS BARRICADAS - Se diz que estas são as manifestações mais importantes desde a Revolução de 1979... Você vê alguma continuidade entre estes protestos e aquelas?
Payman Piedar < Sim, é verdade que estas mobilizações ou manifestações são as maiores e mais importantes desde a revolução de 1979. Na realidade, desta forma começou a revolução de 1979.
O Shah, ditador e marionete do imperialismo yankee, cometeu o erro de não aceitar nenhuma crítica a seu poder máximo e o povo, que já estava farto de seu reinado de tantos anos de repressão, por fim se levantou, e lhe mandou ao lixo da história.
E claro que há uma continuidade na revolução, ou melhor, na insurreição de 1979, porque na realidade não houve revolução social, mas uma revolução política, uma mudança do controle político de um regime monárquico a um religioso-teocrático, foi seqüestrada pelos mulahs (sacerdotes), com o Aiatolá Ali Khamenei como chefe máximo, e na realidade iniciou outra era de sistema ditatorial.
Então, o povo anseia e se mata pela liberdade como pelo pão e a água. Especialmente os jovens, já que 65% da sociedade iraniana têm menos de 30 anos e já estão fartos de ser humilhados e reprimidos. Mais ainda, este movimento que já aparece como outra revolução a qual espero que continue nestes momentos, e a continuação da revolução constitucional de 1905 que não chegou a seu fim. A liberdade, ainda assim sendo de tipo burguês e limitada, é algo que a sociedade iraniana não teve até hoje. Olha só, o governo democrático da burguesia nacional do Dr Mosadegh não durou mais de 2 anos, de 1951 a agosto de 1953, porque os yankees e a CIA fizeram seu primeiro experimento com a derrota de seu governo, ainda antes de derrotar a Arbenz na Guatemala, em 1954.
ALB > - De que forma acreditas que as atuais mobilizações possam fazer erodir o regime teocrático?
Payman - A resposta a esta pergunta não é fácil. Tudo depende de até que ponto continuem estas mobilizações. Felizmente a aura, a "dignidade", dos Mulahs, especialmente a de Khamenei, que é o chefe religioso máximo, a continuação de Khamenei, foi fraturada. Já temos escutado o slogan "morte a Khamenei" e ontem queimaram sua imagem nas ruas Zanjan em Teerã. Este sinal é muito importante. Já não existe medo de nada.
Já é quase o momento revolucionário em que "os de baixo já não suportam mais", como dizia Lênin, mas falta um pouco para que "os de cima já não possam governar". Hoje escutei que começou a ruptura entre os altos dirigentes Mulahs em Qom, algo assim como o Vaticano dos xiítas. Uma facção deu a ordem de prisão a filha maior do Aiatolá Rafsanjani, um dos Aiatolás mais poderosos, ricos e corruptos; foi presidente durante 8 anos entre 1989-1997, e no dia seguinte, ou seja hoje, o deixaram livre. Bom, Rafsanjani têm duas posições importantes na hierarquia do poder, uma delas é a de chefe máximo da "Assembléia dos Expertos", que são uns 80, onde têm o poder de eleger ou destituir ao chefe máximo religioso, neste caso Khamenei.
Assim, se os acontecimentos e mobilizações continuarem por uns dias ou semanas mais, é possível que esta assembléia vote a destituição de Khamenei. Quem ficará em seu lugar? Pode ser que ponham um grupo de 8 (já há um rumor sobre esta possibilidade) em lugar de um ditador máximo. Ou, na melhor das hipóteses, pode ser que o movimento não pare até a derrota total do regime teocrático.
Não esqueçam que estamos nesta tessitura porque Khamenei cometeu o erro fatal de aprovar a eleição fraudulenta em seu sermão religioso de sexta-feira passada. Por isso é muito difícil que retroceda ou que o povo aceite sua desculpa. Mas a última palavra ainda não está dita. A burguesia e os chefes religiosos podem chegar a um acordo de costas ao povo e tratar de acalmar a situação. Mas vejo isso difícil.
ALB - Que papel tem jogado os trabalhadores até o momento nestas mobilizações? Há alguma possibilidade de que o protesto se alastre segundo os interesses das classes populares?
Payman - Sem dúvida que dentro destas mobilizações há trabalhadores de diferentes setores: Comércio, Serviços, Autônomo, Informal, Subemprego, marginal e os desempregados. Temos que recordar que existe 25-35% da população que está sem emprego. O setor ausente, por hora, é o setor mais importante, que são o petroleiro e o petroquímico, majoritariamente localizado no sul do país, próximo da zona do Golfo Pérsico. No dia em que eles parem e votem uma greve geral será o momento do êxito da revolução ou, melhor dito, a derrota completa do regime teocrático. Para capitalizar este movimento a favor dos interesses das classes populares, tudo depende de que este setor tão importante entre e tome a iniciativa nesta mobilização.
ALB - Se insiste constantemente na mobilização da oposição, mas certamente os partidários de Ahmadinejad têm se mobilizado em importante número, quem sabe em números maiores que a mesma oposição (o que é por razões óbvias ignorado pela imprensa ocidental), qual é o fator que mobiliza aos partidários do regime do Irã?
Payman - Em primeiro lugar, os partidários do regime de Ahmadinejad não são mais que os da oposição. Na realidade o resultado verdadeiro da votação presidencial foi o seguinte: Mousavi 19 milhões e pouco; Karrobi, outro "reformista" 13 milhões e pouco; Rezaie, do mesmo lado de Ahmadinejad, um pouco "moderado", com 3 milhões e pouco e Ahmadinejad com 5 milhões e pouco dos votos, e os votos anulados foram 1 milhão e meio.
Os partidários de Ahmadinejad majoritariamente vêm dos setores populares, que receberam um abono extra de $50 e sacos de batatas. Também um setor de aposentados que justo uns dias antes da votação receberam um alto reajuste de suas pensões: antes recebiam $200 e agora recebem $600. Não nos esqueçamos que este regime tem uns 3-5 milhões de Jovens Basij, uma milícia paramilitar, como as falanges de Franco na Espanha, que são de setores populares. Assim que suas famílias são basicamente pró-regime porque recebem salários. Mas há também um setor minoritário de estudantes de institutos e universitários que também receberam este abono de $50 durante a campanha eleitoral.
Suponho que há um setor de classe média baixa feliz porque Ahmadinejad, durante sua campanha, expôs o que todo mundo já sabia, alguns nomes dos corruptos que têm suas próprias máfias econômico-políticas, como o mesmo Rafsanjani. Por isto que este setor também o apoiou.
ALB - Há alguma diferença de classes entre um e o outro lado? Fazemos esta pergunta já que na ausência de uma alternativa revolucionária consolidada e clara, a classe trabalhadora e os pobres em geral freqüentemente mobilizam-se por causas conservadoras...
Payman - Não há muita diferença entre os grupos de poder. Todos são parte do poder burguês em geral. Nenhum "representa" a classe média em geral, ou ao seu setor sob o das classes populares. Todos estão economicamente a favor das políticas neoliberais, privatizações, a favor da OMC (Organização Mundial do Comércio), com diferenças mínimas sobre subsídios. Uns querem dar um pouco mais de dinheiro aos pobres, mensalmente, e outros querem dar esses subsídios via os preços do pão, do transporte público e dos seguros.
Politicamente, sem dúvida, a oposição quer dar uma imagem democrática: tolerar a liberdade de expressão e não censurar ou fechar os jornais da oposição; não aplicar a pena de morte para os menores; dar mais oportunidades as mulheres no setor público; não aplicar penas de prisão para os estudantes universitários radicais; dar "mais" poder as mulheres em assuntos de divórcio etc.
ALB - Chama a atenção a moderação das palavras de Obama ante as mobilizações, moderação que contrasta com os urras e vivas lançados por Bush e cia. quando das manifestações de Beirute e de Kiev já faz um par de anos... A que se deve esta atitude de cautela?
Payman - A posição de Obama é muito diplomática. O imperialismo yankee sabe muito bem que o Irã não é o Iraque, Afeganistão ou Paquistão; nem é Beirute nem Kiev. Não há nenhuma possibilidade de que possam invadir o Irã, nem sequer durante o governo Bush não houve planos de atuar tal como no Iraque, menos ainda agora que as coisas andam fervendo. Não podem correr riscos com a situação interna do Irã.
Não querem que as coisas piorem porque no fim das contas é melhor ter alguém que não interrompa a saída de petróleo da região... Ele sabe que os Mulahs já estão falando de que "Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha estão intervindo no Irã..." para distrair não somente a opinião pública iraniana, mas a do mundo inteiro, por isso Obama disse que não quer que se interprete que os Estados Unidos estejam se metendo nos assuntos internos do Irã. Mas já ontem, para satisfazer aos conservadores, adiantou a seguinte nota: "que o governo iraniano não reprima aos opositores, que não seja tão violento..."
Além do mais os Mulahs têm ajudado um montão aos yankees na tarefa de "estabilizar" a situação no Iraque e Afeganistão. Em outras palavras, eles, os Mulahs, sutilmente, têm estado em sintonia com os interesses geopolíticos dos yankees. Melhor não botar em risco esta situação muito delicada. A estas alturas, para o interesse hegemônico do imperialismo yankee, Obama é a melhor carta que possuem. Bush e sua política já são história, é passado.
Em sua última viajem ao Oriente Médio, Obama deu uma palestra na Universidade do Cairo, capital do Egito, tratando de dar uma imagem pró islâmica, não tão inimiga do mundo árabe; também visitou ao rei da Arábia Saudita e seu aliado eterno, os sionistas/fascistas israelenses. Tudo indica que está tratando de passar uma imagem de consenso e não tão confrontacional. Ainda que esta política, em geral, é uma tática inteligente por sua parte, estrategicamente não vai funcionar na região em função do conflito israelense-palestino, pois, como sempre, não se oferece nada tangível aos palestinos.
ALB - Qual será o provável desenlace desta conjuntura? Podem os setores progressistas fazer alguma ilusão com a oposição ou é necessário forjar uma alternativa própria?
Payman - Os setores progressistas não podem nem devem se iludir com a oposição existente. Em primeiro lugar, a oposição não é laica; é islâmica e pró-constituição islâmica. Não estão contra a figura de "Velayate Faghie", ou seja, do ditador máximo religioso. Só querem ter a possibilidade de manobrar politicamente dentro do marco da constituição da República Islâmica, nada mais. E como o movimento dos trabalhadores não é forte para nada, pois não temos sindicatos livres, todos são controlados pelo Estado, são amarelos, os progressistas só podem usar esta oportunidade para criar um ambiente menos repressivo, um pouco mais livre para respirar, organizar e desenvolver suas metas anticapitalistas e planos de luta a longo prazo.
Os trabalhadores, os jovens, as mulheres, os marginais, os desempregados têm que forjar sua aliança pouco a pouco; criar suas afinidades, organizações, assembléias, conselhos, e logo trabalhar seus planos para sua libertação final: destruindo o Estado, erradicando o capital e limpando sua mente de todas as religiões e superstições. Esse será o dia para celebrar.
[1] http://ainfos.ca/05/oct/ainfos00384.html
Entrevista realizada em 21 de junho de 2009
Tradução > Juvei
(reprodução de e-mail do amigo CARLOS BAQUEIRO)
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