segunda-feira, 15 de junho de 2009

BRIC - tudo nos separa, quase nada nos une.



Singh (Índia), Medvedev (Rússia), Jintao (China) e Lula (Brasil): colocando as profundas diferenças em dia

tOnY PaCHecO

Amanhã, em Ekaterimburgo, na Rússia, haverá a reunião dos governantes dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), grupo ideal criado em 2001 em relatório da Goldman Sachs, especialista americana em análise de investimentos.
A maioria dos analistas brasileiros de política internacional vê o 16 de junho de 2009 como um dia histórico que vai marcar a virada do mundo do unilateralismo comandado pelos EUA, para o multilateralismo, isto é, um mundo novo em que nenhum país poderá mais se dizer dono do mundo.
Infelizmente, as análises estão eivadas da vontade petista de que o mundo seja aquele que se deseja e não aquele que existe na realidade.
Os BRIC poderão ser (já são, na verdade) importantes atores no cenário econômico internacional, afinal a China é hoje a segunda maior economia do mundo, logo após os EUA. A Índia já é a quarta, logo após o Japão, e Brasil e Rússia são as nona e décima economias da Terra, após Alemanha, Reino Unido, França e Itália. Isso é um peso enorme, mas, necessariamente, não dá nenhum sinal concreto da criação do Grupo dos BRIC nem tampouco de um G-4, um novo polo de poder para o enfrentamento com o G-7 capitaneado pelos EUA.
Ao contrário do G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá), que tem um ideário comum (economias capitalistas de mercado, democracias liberais e com herança cultural mais ou menos comum), os BRIC precisam ser analisados pelas suas imensas disparidades em todos os sentidos.
Vamos analisar um por um os aspectos que impedem qualquer possibilidade de união formal entre os membros do G-4.

ÍNDIA x CHINA
Os dois maiores países do mundo em população (1,1 bilhão x 1,3 bilhão - ou 1,5 segundo alguns analistas - de pessoas) vêm de uma rivalidade de séculos, mas que chegou ao auge em 1962, quando o Exército de Libertação da China simplesmente invadiu e ocupou 20% do estado indiano de Jammu & Cachemira (Akhsai Chin) e, de quebra, ainda invadiu e ocupou a maior parte do estado indiano de Arunachal Pradesh (Xizang do Sul, para os chineses). Foi uma vitória tão acachapante e desmoralizante para a Índia, que a China, em novembro de 1962, depois de 12 meses de escaramuças, resolveu decretar um cessar-fogo unilateral, pois, se continuasse guerreando, faria como Israel fez em 1967 contra os árabes: dominaria todo o norte indiano como os judeus dominariam Egito, Síria e Jordânia... se quisessem.
A China está lá, firme e forte, ocupando territórios da Índia, um país que tem uma população quase do mesmo tamanho da chinesa, mas só dispõe de um terço do território do vizinho.
A partir daí, a Índia passou do discurso terceiro-mundista até chegar à aliança clara com os EUA, porque sabe que a única defesa que tem contra o extraordinário poderio chinês é ter um aliado mais poderoso que a China.
Índia e China, portanto, poderão ter boas relações, ter alguns pontos de convergência, mas jamais se unirão a ponto de formar um bloco comum de poder mundial.
É inviável, improvável e contraproducente para os dois Estados. E Estados não costumam ter amigos e, sim, interesses, e os interesses de Índia e China são totalmente conflitantes.

CHINA x RÚSSIA
Desde que os czares russos começaram a estender o seu país europeu, reunido em torno de Kiev e Moscou, para o leste, ocupando os vastíssimos territórios do norte siberiano e o centro da Ásia (onde hoje estão o Cazaquistão, Turkmenistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Quirguizistão), que historicamente pertenceram à China quando esta era parte do Império Mongol, existe conflito entre Moscou e Pequim.
A partir daí e durante séculos, os dois países disputam o poder na Ásia a ponto de provocar situações hilariantes como a bitola dos trens chineses ser diferente da dos trens russos apenas e tão somente pelo medo que Pequim tinha de ser invadida pelo Exército Vermelho a bordo do Trem Transiberiano (isto está claro no filme recente “Transsiberiano”, com Ben Kingsley).
Depois do fim da União Soviética, em 1991, a China adotou uma agressiva política de aproximação com as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central e, não por acaso, o Grupo de Xangai também se reúne esta semana em Ekaterimburgo, mostrando que a reunião do G-4 é apenas “perfumaria”.

O PAPEL DO BRASIL
China e Índia desejam, para o Brasil do futuro, o papel de país fornecedor de “commodities”, isto é, querem voltar ao colonialismo do séc. XVI, quando foi a vez de as nações européias transformarem boa parte do planeta em fornecedor de ouro e outros produtos naturais para as nascentes potências do Velho Mundo.
Neste novo mundo multipolar, a Índia quer reservar para si o papel de fornecedora de serviços e tecnologia, principalmente na área de Informática, terreno no qual já mostra liderança mundial.
A China quer ser o grande polo industrial do planeta e já o é, pela sua mão-de-obra que nem pode ser chamada de barata, é miserável mesmo, pois com 100 reais por mês contrata-se mão-de-obra especializada neste ocenano de gente com um bilhão e quinhentos milhões de habitantes.
A Rússia tem reservas de petróleo e gás de fazer inveja aos xeques do Oriente Médio e seu destino econômico nas próximas décadas está claramente destinado a ser isso: fornecedor de petróleo e produtos petroquímicos.
Ao Brasil seria reservado o papel de plantador de soja e criador de gado, além de poço sem fundo da extração de minério-de-ferro e outras riquezas minerais. Sem dúvida alguma, o pior de todos os papéis, pois o comprador, neste tipo de mercado, praticamente impõe os preços, não permitindo ao país vendedor muita margem de manobra.
Num quadro semelhante, não se vê o quê o Brasil pode esperar destes inconvenientes companheiros de viagem do BRIC.

O CONSELHO DE SEGURANÇA
Outro equívoco de análise eivada de petismo é achar que assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas pode ser conseguido com apoio de China, Rússia e Índia.
Os dois primeiros países já são membros e não desejam a ampliação do colegiado, pois ampliar o poder de veto dos membros do CS-ONU significa praticamente a diluição do privilégio, tornando-o irrelevante.
A Índia deseja ser membro do CS porque tem poder nuclear e um exército moderno e poderoso (agora, depois da derrota de 1962 para a China). EUA e Rússia ajudariam a Índia a ser membro para poder conter o poderio chinês.
Agora, o Brasil não tem armamentos atômicos, tem Forças Armadas sucateadas onde falta até munição para treino de seu contingente. Que segurança podemos oferecer ao mundo?
O Conselho de Segurança da ONU foi montado para impedir que interesses de países pequenos com assento nas Nações Unidas superassem os interesses dos países que tinham o poder efetivo ao final da Segunda Guerra Mundial. Têm assento no CS os países com poderio nuclear e, principalmente, o poder de mandar suas ogivas atômicas a alvos distantes através de mísses continentais e intercontinentais, que é o caso de EUA, Rússia, China, Reino Unido e França, os cinco membros do Conselho atual.
Paquistão, Índia, Coréia do Norte e Israel têm poder nuclear, mas, com exceção da Coréia do Norte, que persegue o aprimoramento de seus mísseis, os outros não têm como mandar para muito longe os seus artefatos nucleares.
O poder do Conselho está baseado em força militar e não em força política. É isto que os articuladores diplomáticos do governo Lula-PT insistem em não compreender.
Numa análise rigorosa, o Brasil não tem nenhuma razão objetiva para ter assento no Conselho de Segurança, pois seu poder militar é praticamente nenhum.

EKATERIMBURGO
A cidade de Ekaterimburgo (ou Yekaterinburg), a 1.667 km de Moscou (a distância entre Salvador e o Rio) tem um valor simbólico enorme para as reuniões do Grupo de Xangai (China, Rússia e países da Ásia Central) e dos BRIC, que acontecem ali a partir desta terça-feira.
Foi ali que a família imperial russa foi toda fuzilada, em 1918, pelos bolcheviques vitoriosos na Revolução Russa de 1917.
Para os membros do Grupo de Xangai, ela tem o valor simbólico de ser a fronteira entre a Europa e a Ásia, por estar na região dos Montes Urais, que dividem os dois continentes.
Finalmente, é a cidade de nascimento de Boris Yeltsin, o primeiro presidente russo pós-comunista, que selou o fim da União Soviética.
Vai ser o palco de muito trabalho para o Grupo de Xangai e um excelente passeio primaveril para Lula, Jintao, Singh e Medvedev.

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