quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Carnaval virou Showísmo

O Rio centralizou o showísmo num lugar fechado. Aí está certo

Ricardo Líper


As festas que existem em comunidades são festas de comunidades. Isto é, de todos. O carnaval já foi uma delas, assim como o São João e outras. O povo, sem gastar muito dinheiro e com muita imaginação, comia, cantava, dançava. No carnaval cada um fazia sua fantasia ou improvisava, formava grupos com amigos e familiares e saíam pelas ruas literalmetne brincando. Sentavam em banquinhos nas barracas e batiam bons papos com amigos que, muitas vezes, só encontravam no carnaval. Assim era no São João e todas as festas chamadas, muito adequadamente, de populares. Comia-se, cantava-se, dançava-se. Era um momento de alegria para todos, porque era muito barato fazer isso. Mas alegria dura pouco. O capital percebeu que podia empresariar essas festas. E a maneira de empresariar festas populares seria o showísmo. O showísmo é fazer um palanque e uma sucessão de supostos artistas se apresentando e o povo comprimido, muitas vezes sendo assaltado, espancado, alcoolizado, aplaudindo. Se esse espetáculo não ocorre noutro contexto que não o de shows, não é showísmo, é show. Em um teatro. Em uma área própria para isso. Em uma data marcada pelos empresários do show. Mas transfomar todas as festas populares em show é showísmo. Um truque do capital para ganhar dinheiro.

Uma das coisas que mais defendo é a democracia. No meu entender, todos devem procurar fazer o que gostam e ganhar seu dinheiro honestamente mas sem fazer os outros de besta. Sem privatizar áreas públicas e usar o poder público para ganhar dinheiro. O cinderelismo, principalmente em sociedades miseráveis como a nossa, acho ótimo. Era pobre, semi-alfabetizado e anônimo e virou um jogador milionário, um cantor famoso e rico, um vencedor do bigbrother. Inclusive, sou adepto de se substituir muitas escolas e universidades por cursos de futebol, shows, participação em bigbrothers, porque é muito mais vantajoso. Quem tem diploma hoje tá lenhado. Ótimo. Agora, ocupar a cidade cercando-a com camarotes e ficar todo mundo sentado, comportadinho, cobrando caro, para ver shows, acho uma ditadura disfarçada de showísmo.

Esse modelo deverá morrer, porque é chato. Mas pode demorar. Acho que a sociedade e o governo devem controlar o assalto do capital às festas populares. No caso de Salvador, fazer como no Rio e S. Paulo. Só permitir o atual carnaval em um local específico. No Comércio ou próximo as Parque de Exposições. Excelente para shows dos atuais e futuros cinderelos. Com camarotes de um lado e de outro da pista até o tal parque. Perfeito. Na região do Comércio, na Cidade Baixa, também seria uma possibilidade muito boa. Quem quisesse tomar porrada, ser agredido gratuitamente por psicopatas e ficar empremido vendo shows, teria seu local, mas sem ocupação total da cidade, que pertence a todos e não só aos empresários gulosos do carnaval. Democracia é isso: todo mundo faz o que quer, mas sem prejudicar os outros.

2 comentários:

  1. Caro Ricardo,
    Quando eu morava em Salvador tinha uma amiga que morava nos EUA e toda vez vinha a Salvador comprava os cd’s de Axés, e eu achava aquilo um absurdo e falava com ela....como se diz para termos cuidado com o que se fala porque podemos passar pela mesma situação, confirmo que é a pura verdade.
    Há 11 anos moro em Fortaleza e vejo que o sentimento de pertença à nossa terra natal é potencializado, e hoje me vejo comprando não só os Cd’s como também os DVD’s, é como se a Bahia viesse para dentro da minha casa, os artistas se tornam amigos, porque falam a linguagem da Bahia que somos acostumados e entendemos.
    E agora lendo seu post confesso que tive um sentimento de culpa e me achei abestalhada, desde quando contribuo para toda essa parafernália acontecer quando adquiro os produtos dela.
    Perfeito tudo o que escreveu. Adorei!
    E o pior é que ainda gosto de ouvir e ver os artistas baianos...agora é culpa dessa bainidade que entra em nossos poros.
    Como dizia ACM: “Baianidade é um estado de espírito em relação à terra em que se vive e a todas as características singulares da Bahia, que nenhuma outra terra tem...”
    Assim alivia a minha culpa.
    Mas confesso que daqui vou acompanhar o carnaval pela Band e por onde passar, a Bahia vai estar aqui- é mais forte - sem falar que meu filho está aí, foi passar o carnaval....mais uma contribuição para a parafernália, o jeito é recorrer à ACM novamente: a culpa é da baianidade!
    Acompanharei mesmo sendo com o fundo musical da Máscara Negra que diz: “Foi no carnaval que passou...” quando a rua pertencia ao povo.
    Parabéns pelo post!
    Eliane

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  2. Quando é mesmo o carnaval?
    Por causa desta minha dúvida talvez o mundo desabe em minha cabeça, mas realmente tenho a impressão que temos 360 dias de carnaval e 6 dias de pseudo seriedade. Vivemos ouvindo que somos um “povo feliz”, ”uma gente alegre e pacífica”, temos toda a musicalidade, sensualidade e espontaneidade deste mundo. Quem dera fosse verdade! Vemos absurdos acontecerem diante de nossos olhos, nas portas de nossas casas e talvez dentro delas. Estamos vivendo tempos inclementes em que matar, roubar, estuprar, falcatruar, enganar virou banalidade. Mostra-se em cenas na televisão todo tipo de violência, corrupção e crimes inclusive cometidos por pessoas que deveriam combatê-los. Crianças são sacrificadas, jogadas de prédios altos, cortadas em pedaços e postas em malas. Idosos são maltratados, espancados e amarrados em casa por parentes ou pessoas que deveriam protegê-los. Adolescentes estão perdidos sem escolas, sem valores, sem famílias, sem limites. Estamos atônitos com o que vemos e vivenciamos. Saímos ás ruas agarrados as nossas bolsas, cheios de medos e se alguém chega mais perto de nós o pânico é incontrolável. Mas não quero aqui estar pregando sobre o monstro do caos. Estou para dizer que basta colocar na rua um trio elétrico com uma “gostosona” de pernas de fora se auto-promovendo, um “carinha todo malhado” cantando uma musiquinha composta da repetição de quatro palavras que ao ligarem-se redunda em um duplo, triplo, quádruplo ou quíntuplo sentido, surgir umas barraquinhas vendendo umas bebidas de nomes pitorescos impublicáveis neste espaço, que reúne não meia dúzia de pessoas e sim milhares de pessoas que estão desempregadas, sem perspectivas, sem saída e loucas para “extravasar” o que elas nem sabem o que realmente têm dentro de si para tal ação. E haja incentivo para beijar, “ficar”, “sacolejar”, gritar, o que hoje se chama de música. Tempos modernos? Evolução? Será que é isso que estamos então precisando e querendo? Será que não estamos sendo levados a fugir de pensar? Será que todo esse carnaval é realmente verdadeiro? Não quero ser paranóica, mas a quem interessa tanta “festa” para que esqueçamos que não temos segurança pública, saúde, educação, moradia, dignidade? Eu fico me perguntando o que acontece neste Brasil nos 360 dias de carnaval e que só vemos descobrir nos 6 dias que nos resta para reflexão e conhecimento da realidade. E esses seis dias estão prestes a serem reduzidos, pois já existe um certo “clamor público” neste sentido. Então teremos menos tempo ainda para perceber a nossa realidade e conhecer o nosso País, pois estamos vivendo não no Brasil, mas sim no País do carnaval, onde nem mesmo o tal do rei momo, antes eleito por votação hoje é escolhido por grupos fechados. Ou caímos todos na folia ou seremos esmagados por ela. Pois aqueles que não estão atrás dos trios elétricos são considerados alienados, doentes, fora do contexto, portanto, descartáveis e estraga prazeres. É uma ditadura da folia portanto.
    Blog (luacumplice.blogspot.com)

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Se vai acusar alguém nominalmente, identifique-se e anexe as provas. Não vamos pagar indenização na Justiça por acusações que não fizemos.