terça-feira, 22 de setembro de 2009

Nostalgia, por que não?

Alex Ferraz

Vira e mexe ouço comentários de psicanalistas condenando a nostalgia. Seria prejudicial à nossa saúde mental ficar remoendo tempos idos, achando que eram melhores que os de hoje. Devemos viver o presente, quem sabe o futuro (?), nunca remoer o passado. Estamos a caminho da melhor idade, quando nosso intelecto supera nossa selvageria física e blá, blá, blá.
Tudo bem. Até concordo que uma pessoa que nasceu e viveu em Copenhague, Estocolmo, Viena etc. nos últimos 50 ou 60 anos não tenha a menor tendência para nostalgia. Afinal, vive na civilidade desde que nasceu e os tempos idos eram tão bons como o tempo presente, aliado, este, aos avanços na medicina, tecnologia etc. etc.

Mas, ora, quem nasceu nisto a que se chama Brasil, uma bela e fértil terra transformada em capitanias de poucos e miséria para a maioria por uma sucessão de calhordas no governo, tem, sim, muita razão para ser nostálgico. Como não achar que meus tempos idos eram bem melhores, se, no final da década de 1960, eu podia sair de uma festinha na Barra, bêbado feito um gambá, e chegar são e salvo em casa, nos Barris, quase quatro quilômetros depois, em plena madrugada, sem qualquer risco de assalto, de ser atacado por um sacizeiro?

Como não ser nostálgico se, naquela mesma época, meus colegas de colégio, tanto privado como público, eram pessoas que, além de brincarem como crianças normais, raciocinavam, pensavam, discutiam, criavam, a despeito da maldita ditadura, esta, sim, única coisa que não deixou saudades, pelo contrário, uma sede de vingança? Como comparar aqueles meus colegas de escola (havia pobres, remediados e ricos, juntos) às bestas feras que hoje entopem os colégios, formadas que foram por pais que também se imbuíram do bestaferismo reinante?

Como não ser nostálgico se, no final da década de 1960, na fabulosa praia do Porto da Barra, a gente deixava as roupas e até carteira com dinheiro na areia, ia mergulhar, e ficava só olhando de longe? Quando o local estava muito cheio, o máximo que fazíamos era pedir para o vizinho "dar uma olhada"... Hoje é bem provável que você sequer chegue à areia com seus pertences, pois pode ser assaltado na escadaria. E morto!

Podem argumentar os saudáveis conselheiros da eterna presença na realidade que, por exemplo, a medicina, hoje, avançou bastante e a estatinas, mais AAS, mas dietas novas, mais doses disso e daquilo, mais safenas e stents fazem seu coração bater firme por muito, muito mais anos do que antigamente. Aliás, essas coisas podem fazer seu coração bater firme por tanto, tanto tempo, que você acaba vivendo o suficiente para ter vergonha do seu corpo, esparramando-se horizontalmente pela inexorável ação da força da gravidade.

Podem lembrar ainda, de forma supérflua, para convencer-me de que vivo em um "mundo melhor", que os avanços tecnológicos nos proporcionaram, por exemplo, carros mais seguros e eficientes. Afinal, não temos mais, digamos, o carburador, que entupia a cada centena de quilômetros rodados e fazia o carro parar no meio da rua ou da estrada. E eu respondo: parava, sim, no meio da estrada, e você até dormia dentro do carro à espera de ajuda mecânica, porque certamente não apareceria um bando de facínoras drogados para lhe tirar tudo, inclusive a vida! Você podia parar, por defeito no carro, em qualquer rua ou avenida da cidade e se não houvesse mais ônibus nem achasse táxi, seguir a pé até em casa, preocupado apenas em não dar uma topada ou pisar em bosta de cachorro, no escuro.

Podem argumentar ainda que temos hoje o SUS, esta beleza (sic) de sistema de saúde ultra socializado, enquanto "naquela época" havia poucos hospitais. Talvez. Mas naquela época os médicos sabiam o que faziam, ao contrário de hoje, quando tudo é "uma virose" após um atendimento relâmpago de um ou dois minutos em um posto do SUS, em diagnóstico dado por médicos estressados e malformados.

Sou soteropolitano, com fortes raízes no interior (minha família é de Vitória da Conquista e Itapetinga). E vivi, no interior, em aprazíveis campos verdes e pequenas cidades outras, um tempo em que, literalmente, dormia-se com as janelas abertas. Hoje, a pequena cidade de Itambé, com míseros 35 mil habitantes, tem tráfico de cocaína e crack, crimes hediondos e qualquer descuido pode transformar você em vítima de um assalto ou assassinato.

E os petistas de plantão podem alegar que hoje "o povo" recebe atenção social do governo. Recebe, sim. Uma esmola que não chega a R$ 100 mensais para votar eternamente nos candidatos do partido. Está tão humilhado como antes, nos tempos dos coronéis (Sarney, protegido de Lula, e suas fazendas que o digam!), quando trabalhavam de forma semi-escrava e gastavam compulsoriamente tudo o que ganhavam nos armazéns dos próprios coronéis, com comida e talvez um cigarro e uma cachaça.

Não houve evolução alguma. A não ser para os espertalhões que, com o discurso da justiça social, conquistam cargos de poder, ficam bilionários e lançam moedas à plebe. Assim mesmo, em qualquer lugar de Salvador e de outras cidades do Brasil, podem ser vistas dezenas, centenas, milhares de pessoas, entre adultos e crianças, pedindo comida e fuçando o lixo de restaurantes.

Como não achar que os tempos idos eram melhores, pelo menos neste Brasil dominado por uma burguesia selvagem e burra e líderes oportunistas? E, lembrando Ulysses Guimarães ("Este Congresso é pior do que o anterior e melhor do que o próximo"), podemos dizer que não há qualquer indício de que devamos pensar num futuro melhor. Talvez pensar no futuro, sim, para criarmos mais armas de proteção contra a tragédia em que se transformou a população brasileira.

SEM INIMIGOS

A propósito, lembro-me que, antigamente, havia inimigos políticos. Jamais se falavam, odiavam-se, alguns até com muita classe, outros mesmo na bala. Hoje,não há mais inimgios. Tudo faz parte de uma "estratégia" de governabilidade.
Olha, para mim não existe caráter em um mundo onde só há amigos. Um mundo sem inimigos é utopia ou a concretização da hipocrisia.

6 comentários:

  1. Prezado Alex Ferraz:
    Seu texto não é uma postagem e sim um antológico Manifesto.
    O que se deu em Salvador aconteceu em todo país a partir dos anos 80, em alguns lugares é mais visível e cruel.
    Vivemos tempos de barbárie!
    Clovis R. S. Filho.

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  2. De minha parte, sou matéria de memória. Sou nostálgico, sim, e daí? Adoro recordar os tempos idos. Hoje não moro mais na Bahia, mas num bairro que não se contextualiza no barroquismo de minha infância 'nazarena' Salvador, nos anos 50, 60, era uma cidade maravilhosa. Hoje um caos em todos sentidos e, inclusive, do ponto de vista cultural. A miséria atinge soberanamente a chamada 'cultura baiana'. Éramos felizes e não sabíamos.

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  3. Muito estranha essa sua concepção de civilidade. Por acaso o senhor conhece Copenhague, Estocolmo, Viena para tê-las como exemplo de civilidade? Por que não se muda para um lugar desses. Garanto que não aguentaria um ano se quer. Se vida sem graça, sem calor humano, sem emoção for civilidade, estou fora. Pelo visto, o senhor revela em suas linhas um complexo de inferioridade de difícil solução. É o complexo de ter nascido baiano e brasileiro. Esse, nem Freud explica. O melhor seria arregaçar as mangas e trabalhar duro para ajudar a construir um país melhor para todos.

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  4. josé Alexandre,

    Sua análise é contundente, mas lamentavelmente incontestável... Também sou nostálgica, sem nenhum problema em sê-lo, e muito menos por saudosismo piegas... Somente aqueles, que podem ser transformados em "matéria de memória", entendem essa contextualidade.
    Vá em frente com seu Blog e sucesso!
    Vitória Regina

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  5. É, o anônimo que falou sobre Alex conhecer ou não Copenhague, Estocolmo etc. acha que a vida quente e sensual está aqui. Até concordo. Mas está aqui também o governo que engana os pobres e lhes dá migalhas enquanto amealha bilhões com sua família; está aqui uma das maiores taxaas de criminalidade do mundo; está aqui a miséria absoluta; estão aqui a falta de assistência médica, os preconceitos de todo tipo e gente como Sarney e companhia.
    Olha, estou cansado de gente idiota com visão de mula! Zorra!

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  6. Parabens ALEX. Concordo com sua nostalgia, com seu amor pelas pessoas pelo Brasil que Molula ta destruindo com sua trupe. tenhoi 47 anos e saudades do tempo que podiamos ir a qualquer lugar prais cinema restaurante sem temer o outro. como sou evangelica pensante tenho certeza sem pieguice que DEUS que tudo moverá o coraçao do homem para dar uma soluçao o que está próximo. continuo orando a DEUS pela salvaçao do homem que so ele pode dar através de SenhoR JESUS e por vcs jornalistas que denunciam continuem fazendo a sua parte - a nossa parte e essa se indignar denuncisar e votar corretamente se é que teremos um candidato à altura de nosso caráter.. vanmos procurar ajudar as entidades sérias e cobrar delas o seu papel ajudar creches orfanatos asilos etc. somos a pequena gota no Oceano.

    um abraço e continue seu trabalho.

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Se vai acusar alguém nominalmente, identifique-se e anexe as provas. Não vamos pagar indenização na Justiça por acusações que não fizemos.