domingo, 24 de maio de 2009

A improvável "Casa no Campo"



Pintura "Casa de Campo", Marcelo Barbosa Lemos, 1998.

"CASA NO CAMPO"

Composição: Tavito (poema)/ Zé Rodrix (música)

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar do tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais

Eu quero carneiros e cabras pastando
Solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas

Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão,
A pimenta e o sal

Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau a pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais




tONy PaCHecO

E lá se foi Zé Rodrix, aos 61 anos, marcando aquilo que meus amigos e eu conversávamos na sexta-feira: é chegada a idade em que todos os nossos ídolos da infância e adolescência começam a morrer. Depois, seremos nós.
Zé Rodrix marcou, efetivamente, toda uma geração ao ficar conhecido como “o autor” da música “Casa no Campo”, que na voz de Elis Regina se transformou num dos maiores sucessos da Música Popular Brasileira.
Anos depois é que fui descobrir que a letra, na verdade, não era de Zé Rodrix e, sim, de Tavito (o mineiríssimo Luís Otávio de Melo Carvalho), que em 1971 levou, “Casa no Campo” para concorrer ao Festival de Juiz de Fora, minha cidade natal.
O Festival de Juiz de Fora era concorridíssimo, pois ligava o celeiro de músicos que era Minas Gerais ao palco tão desejado, que era o Rio de Janeiro (JF está a apenas 180 km do Rio, era o meio do caminho de Drummond, que pode ser uma pedra e pode também ser o primeiro degrau da escada). Quem vencia o Festival de Juiz de Fora estava, automaticamente, classificado para o Festival Internacional da Canção da TV Globo, o famoso FIC, onde todos, absolutamente todos os grandes gênios da MPB que estão por aí até hoje, passaram.
Quando “Casa no Campo” foi ouvida por Elis Regina, ela se encantou e gravou e foi na voz dela que o Brasil se apaixonou por este “rock rural” da época da geração “flower power”, a geração paz e amor que marcou minha adolescência e de todos que estão na minha faixa de idade.
É triste ver as pessoas que marcaram nossa adolescência irem embora, e apenas com 61 anos, é mais triste ainda. Mas Rodrix escolheu a publicidade como meio de vida e publicidade, como sabemos, é igual jornalismo: tem que comer muito alface, tomate e mamão para passar dos 50 anos. A pressão é tanta que se morre mais cedo.

O CAMPO IMPROVÁVEL

Quando li na Internet a notícia da morte do músico Zé Rodrix estava, justamente, conversando com uma amiga do trabalho, a jornalista Elma Moura, sobre o fascínio que a vida em cidades pequenas ainda exerce na cabeça de quem vive nas metrópoles, como nós.
Só que Elma, que entende tudo de Amargosa, como meus amigos que vivem em Valença, Ilhéus e Canavieiras, já me avisou que este tempo passou.
Só mesmo quando “Casa no Campo” foi composta e éramos apenas “90 milhões em ação”, era possível se sonhar com um interior bucólico onde poderíamos plantar e colher amigos, como Tavito diz na canção.
Hoje, é tudo um tiroteio só.
Os vagabundos “descobriram” que os governos estaduais (não só da Bahia, mas aqui é mais perverso, porque a miséria e a inoperância do Estado são infinitamente maiores do que de Minas para baixo) não mantêm agrupamentos policiais suficientes nas cidades interioranas. Com isso, formaram quadrilhas especializadas em “fechar” as cidadezinhas e não só assaltar o banco local, mas saquear a população também.
Hoje, estamos cercados por todo lado, pois como diz Millôr, a maldição do nosso tempo é a superpopulação. Ela inviabiliza tudo.
Não se pode nivelar todas as oportunidades para 6,5 bilhões de pessoas. O planeta simplesmente não tem como prover uma vida digna para esta gente toda. O futuro está mais para favela brasileira e miséria indiana do que para “Casa no Campo”.

2 comentários:

  1. oi...

    Viviane Forrester dá bem esse sinal no seu livro O Horror Econômico... infelizmente, o que pode aparentar ser uma ascenção à mais democracia (celular 3G, YouTube, tecnologia open-source), é na realidade um grande fortalecimento das armas que Estado tem para controlar (cameras de vigilância, big-brothers, tele-telas de bolso) e manipular.
    Até na Casa do Campo vai ter um celular (tele-tela de bolso) prá poderem saber onde estaremos (GPS) e o que fazemos (Twitter), com nossa própria ajuda.
    aff...
    inté outro dia,

    Carlos Baqueiro

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  2. será mesmo que o cerne da questão está na quantidade de gente (6,5 bilhões) que pululam pelos quatros cantos deste nosso mundico de merda ou a concentração em espaços predeterminados para melhor controle e manipulação de ‘nossas’ necessidades lúdicas induzidas pelos mecanismos de estímulo ao consumismo sem eira ou beira...
    reproduzo uma pequena passagem de Carlos Heitor Cony na apresentação ao livro O Horror Econômico, de Viviane Forrerster:
    "Depois da exploração do homem pelo homem em nome do capital, o neoliberalismo e seu braço operacional, que é a globalização, criaram, mantêm e ampliam, em nome da sacralidade do mercado, a exclusão de grande parte do gênero humano. O próximo passo seria a eliminação? Caminhamos para um holocausto universal, quando a economia modernizada terá repugnância em custear a sobrevivência de quatro quintos da população mundial? Depois de explorados e excluídos, bilhões de seres humanos, considerados supérfluos, devem ser eliminados?"

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Se vai acusar alguém nominalmente, identifique-se e anexe as provas. Não vamos pagar indenização na Justiça por acusações que não fizemos.