terça-feira, 5 de janeiro de 2010

"Acorda, Tunin, a Bahia já foi!"

TOny PAcheco

Quando cheguei a Salvador, em 1976, vivi numa cidade que era, assim, melhor que a propaganda do governo Wagner na TV.
Senti-me vivendo no ambiente místico das músicas de Dorival Caymmi, de iôiô e de iáiá. Não é brincadeira não! Realmente, a sensação ao andar pelas ruas daquela Salvador, de apenas 1 milhão de habitantes, era de que todo mundo era amigo. Tudo que eu perguntava (e eu perguntava muito, pois não havia Google na época e eu cheguei aqui sem saber a diferença entre acarajé e siriguela) me era respondido com educação, atenção, interesse legítimo. O baiano olhava no olho. No Banco Real, na Rua dos Ourives (nome lindo!) onde fui trabalhar como escriturário, logo na primeira semana fui convidado para feijoadas, babas (na minha terra chama-se pelada), passeios pela Baía de Todos os Santos. Lembro-me da gentileza ímpar do interiorano Josemar tentando me enturmar com o povo daqui, ele mesmo, vindo de fora de Salvador, mas totalmente integrado àquela altura, porque o soteropolitano era Caymmi todo.
Lembro-me do gerente, um carioca, que logo me avisou: "Aqui não permito doença na segunda e na sexta. Nem com atestado, pois sei que foi farra sem controle ou fim de semana prolongado..." A seriedade dele destoava da alegria dos funcionários, todos baianos. Menos eu e ele. Eu, feliz com a baianidade nagô. Ele, revoltado...
Pano rápido.
Salvador, segundo dia de 2010, 22 horas, no Rio Vermelho, eu e dois amigos músicos indo para o show do blueseiro Alvaro Assmar no Bar do Farol. Como fomos de táxi, por causa do trambolho autoritário inventado pelas seguradoras de automóveis, estávamos no passeio e lá ao longe vinha um destes microônibus (duas das maiores desgraças da Salvador de hoje: microônibus e mototáxi). Uma chuva incômoda começou a cair e quando íamos atravessar para entrar no bar, o motorista desgraçado acelerou o microônibus para nos impedir...
Tomamos um banho de água suja e fétida, bem em frente à casa de minha falecida Vovó Zeneide, na Rua Fonte do Boi (outro nome que acho bucólico e não tem mais nada a ver com esta selva em que vivemos).
Voltamos, cada um para sua casa, e adeus maior bluesman do Brasil...
Resumo da ópera: eu e a maioria daqueles que conheceram Salvador dos anos 1970 para trás, precisamos tomar um chá-de-realidade e entendermos que aquela Salvador não existe mais e jamais voltará a existir.
A tendência é a miséria absoluta, a insegurança, a selvageria, a falta de solidariedade, a falta de educação social (aquela que se aprende com os pais - pais, coisa que hoje não existe mais também, pois me sinto um dinossauro por ter sido criado por meu pai e minha mãe, hoje o padrão é pela mãe, pela avó, pela tia ou pelo traficante do bairro...).
O motorista do microônibus é apenas um em três milhões de jihadistas botocudos.
E, aí, um gaiato perguntaria: "Então, por que você não se pica?"
Já estou pronto pra me picar desde 2001. Só não vou porque sei que sentirei saudades terríveis de poucos, mas excelentes, amigos, que fiz aqui nos últimos 34 anos. E amigos, para mim, são as únicas razões suficientes para se viver em qualquer lugar, pois o bom amigo é aquele irmão perfeito, o irmão que você elegeu. E ele não deve ser abandonado nunca.
Mas, por mim, já tinha me picado há uma década, por que não sou Dorothy e sei que o Kansas... o Kansas? O Kansas sumiu.

11 comentários:

  1. Porra cara, acho que você deveria se picar mermo, sabia... Leva seus amigos, vai todo mundo embora e pronto. Não farão falta mermo, principalmente se os amigos forem esses tais de inimigos do rei...

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  2. Parabéns Toni, pela lucidez. Principalmente porque constyatou que não há mmais jeito a dar. Não há mesmo.
    Agora não vá embora não. A Bahia vai ficar ainda pior sem pessoas como voce.

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  3. Certíssimo. Só os idiotas do PT e os que querem ser idiotas do lugar dels, do DEM, acreditam que existe o "bom baiano" das propagandas de Wagner.
    A Bahia é um tiroteio só e eu quero a minha UZI.
    kkkkkkkkkkk

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  4. É dificil, mas é verdade, já tivemso dias melhores!
    O pior é que estamos esperando hoje por piores!
    Anônimo S

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  5. tony, muito contundente e oportuna as suas colocações.
    além desses energúmenos que encontramos pela frente ainda temos que aguentar os maníacos dos carros de som com seus pagodes infames e decréptos.
    esses animais nos imputaram essas músicas maléficas aos nossos ouvidos, posto que, não temos mais o sagrado direito de não querer ouvir essas asnices que fazem parte do inconsciente coletivo de grande parte dessa gentalha que acha que tá "abafando" com essas músicas para analfabetos.
    adeus bahia minha!!
    adeus bahia ninha!!

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  6. vivo na terra da ilusão do mar azul;as praias sujas e mal frequentadas nos aguardam e os nossos devaneios que inventam um lugar ao sol civilizado vão por água abaixo.
    na terra da ilusão da paz a violencia nos acorda todo dia com corpos estirados no chão e já nem sabemos se podemos sair à noite nas ruas sem correr o risco de virar estatística desse mal social.
    vivemos na terra da ilusão propagandista;do bom môço que vende côco na praia, da baiana vestida de baiana com um sorrisinho fácil proposital, do capoeirista saltitante que pede esmolas depois da apresentação na calçada,do povo hospitaleiro que finge viver numa terra maravilhosa e encantada.
    veja que a utopia é a mãe dos nossos sonhos e o medo é o senhor que nos abraça todos os dias.

    luis fernando

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  7. Toni,

    Infelizmente tenho a lhe dizer que a uma boa parte dos bípedes que andam por estas plagas comportam-se desta maneira, que representa na verdade a ponta de um "iceberg" que perpassa pelos carros com som altíssimo (e de qualidade no mínimo, sendo eufêmico, duvidosa), por urinar na rua, por desrespeitar as mais elementares normas de trãnsito, enfim, por um egoísmo intrínseco e comemorado no infame "farinha pouca meu pirão primeiro...".
    O difícil é largar a praia do Porto.

    Maurício Oiticica

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  8. a praia do porto mais parece uma maloca.
    pedintes, mendingos, prostitutas, meninos-de-rua,camelôs, vendedores ambulantes,sacizeiros ,assaltantes...
    enquanto isso a paisagem bela do farol da barra vai se degradando e deixando estupefacto os turistas que por aqui se aventuram.
    nós,soteropolitanos, de uma certa forma ignoramos essa favela que se estendeu para o porto por não querer limitar o nosso tráfego de laser já tão escasso.
    agora, que dá nojo, isso dá!!!

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  9. O desespero conduz à morte ou enfraquece de tal maneira o cidadão que o mesmo se torna presa fácil de pastores, macumbeiros, psicanalistas, políticos e outros predadores. Logo, nada de desespero, nada de fraqueza, nada de pânico, não comigo.

    O processo de urbanização, a falência do capitalismo de Estado, adicionadas às duas mais visíveis e persistentes sequelas herdadas da escravidção, o analfabetismo e a concentração da grana, transformaram nossas cidades em ambientes degradados, de infra-estrutura obsoleta, e habitadas por cidadãos despojados de quaisquer sociabilidade parecida com o que chamamos civilização.

    A roubalheira do dinheiro público que poderia ser usado para reverter a longo prazo esta situação lança uma nuvem negra no horizonte induzindo a se pensar que não existe equacionamento razoável para estes problemas.

    Contudo se lermos sobre Paris ou Londres do século XIX, indiscutível locais civilizados hoje, veremos que lá talvez fosse pior, exceto o afanamento do dinheiro público, estas cidades eram abrigo de um vasta população de miseráveis e dos mais diversos tipos humanos desqualificados tais como proxenetas, ladrões, prostitutas, estelionatários, e lá a sociedade respondeu a estes problemas.

    Para enfrentar estes e outros problemas, verdadeiras patologias sociais, são imprencindíveis dinheiro, formulação adequada dos problemas e das soluções e adiministração para a competente implementação.

    Dinheiro a sociedade brasileira carreia para o Estado bastante, o suficiente para se ter outras respostas aos problemas, contudo, como é facilemnte aferível, se rouba muito neste país o dinheiro público bem como se desperdiça muito por incompetência administrativa dos gestores públicos, que em regra não respondem pelos crimes de improbidade, devido à fiscalização quase inexistente e ao Judiciário, que existe apenas como fachada, não funciona, e quando funciona funciona péssimo, o que é facilemnte provado com os números: 71 milhões de processos "parados".

    Logo, um Judiciário que funcionasse daria como resposta uma melhor aplicação do dinheiro público e os benefícios correlatos.

    O outro fator importante na solução, além da completa reforma deste lixo orgânico chamado Judiciário é o nível intelectual e técnico dos gestores, dos políticos e dos funcionários públicos, que é pesssimo, basta que se constate o improviso, a falta de planejamento das ruas, da ocupação do solo urbano das cidades, das regiões metropolitans e das regiões dos Estados.

    A solução virá da mesma sociedade que produziu os problemas, pois será ela quem selecionára os polítcos, fornecerá os gestores e técnicos e a turma que irá formular os problemas em termos equacionáveis. Mas pelo visto esta mesma sociedade vai ter que sofrer um pouco mais, ir até o fundo do poço, para atinar com o rumo, pois não será com pessimismo, desinteresse pela leitura e formação intelectual sistemática e rigorosa, cinismo e canalhice que as coisas melhorarão.

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  10. Tenho muita consideração por Salvador, gênese de nosso patrimônio cultural e da Tropicália. Não foi a toa que Lina Bo Bardi se mandou para aí de mala & cuia: pintou e bordou.
    Adolescente, conheci deslumbrado nossa 1ª capital nos anos 70, tempos da contracultura. Voltava amiúde, mas um fato fez com que a riscasse de minha vida.
    Julho de 2001: greve da polícia militar e da coleta do lixo.
    Tenho quase 1.90m, não sou flor que se cheire, não tenho cara de gringo e me garanto em qualquer lugar.
    Sofri várias tentativas de assalto barra-pesada em lugares ditos turísticos e familiares.
    Não desejo a ninguém o que passei: insegurança pela minha vida e montanhas de lixo acumuladas nas vias públicas.
    Desejo que o povo soteropolitano ultrapasse esta difícil longa fase e recupere sua cidadania.
    http://espartanodefato.blogspot.com

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  11. UM POVO QUE SE REPRODUZ QUE NEM RATO, SEM EDUCAÇÃO SEM SAUDE SEM GOVERNO, ALÉM DE MAO DE OBRA BARATA SERVE TAMBÉM COMO BUCHA DE CANHÃO E MASSA FÁCIL NA MAO DESTES POLITICOS NEFASTOS. UM GOVERNO QUE DA 510,00 DE SALÁRIO ENQUANTOS OS DEPUTADOS ESTADUAIS AUMENTAM-SE NA CALADA DA NOITE EM 95% E DÁ PARA OS FUNCIONARIOS PUBLICOS (CLASSE MUITO DESUNIDA) APENAS 4% TEMOS REALMENTE O GOVERNO QUE MERECEMOS..?????????????

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Se vai acusar alguém nominalmente, identifique-se e anexe as provas. Não vamos pagar indenização na Justiça por acusações que não fizemos.